quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Deus nos livre de um Brasil evangélico



Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.
Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.
Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).
Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.
Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?
Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?
Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.
Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.
Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?
Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.
Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.
Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.
Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.
Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.
O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.
Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.
Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.


Pastor Ricardo Gondim
Texto extraído do site: http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.painel.asp?tp=73


Soli Deo Gloria
7-02-11

7 comentários:

  1. Dey, que fantástico esse texto do Ricardo Gondim. Vc sabia que dei a ideia ao Pr. Juscelino para trazê-lo este ano para o aniversário da Hosana? Tenho escutado muito suas mensagens, ele é muito bom! bjs

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  2. Nossa, não conhecia o Ricardo Godim, mas este texto dele é brilhante, apresenta claramente o que iria acontecer. Mas graças a Deus, misericordioso, isso não acontecerá!

    TENSA_

    Eu tenho medo desses "evangélicos" na Universidade...Os vejo se unindo e se organizando pelo Campus em grupos de evangelismo e cada vez que os "ameaçamos" com qualquer questionamento científico, vem logo os bordões de "fé, fé e fé" e "não ouse pôr em dúvida a plenitude de Deus" ou "cale-se ou será condenado por blasfêmia".

    Pelo amooooooooor de Deuuuus!

    Afff...

    ótima postagem, abraço Dey!

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  3. Rsrsrsrsrsrsrs! Deizinho meu irmão, vc só quer polodoxia! kkkk
    Fantástico!!!

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  4. Quem tem ouvidos ouça o que diz o Espírito... Louvado seja Deus!!!

    Um xero meu querido!!!

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  5. Aff Maria de uma coisa dessas acontecer meu pastor!!! rsrsrs

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Deus é, realmente, o maior incentivador da liberdade humana. Lembro-me da fascinante Cecília Meireles que disse que não há ninguém que não entenda o conceito de liberdade; mas também disse que ninguém consegue explicá-la. Entender liberdade como 'estar livre de um país evangélico' é procurar dar um conceito àquilo que não se pode conceituar. Graças a Deus que nos faz livres para escolhermos ser ou não evangélicos. E Deus nos livre dessa liberdade mal-conceituada e tão carregada de preconceitos.

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