quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

"Posse!"

Acredito que a maioria de nós já vivenciamos paixões arrebatadoras, daquelas em que o coração palpita mais rápido que os segundos, causando sensações totalmente desconhecidas, onde os sentimentos são como furações a deriva que engolem tudo e todos ao redor, não há freios muito menos impossibilidades. O que há mesmo são desejos imaculados e malucados, o santo e o profano que se envolvem tornando-se uma divindade suprema dentro de si mesmo. Em momentos como estes são feitas provas exageradas de amor, confissões de fidelidade eterna e rompantes inesperados de ciúmes. São nessas horas que surgem à maioria dos casamentos, das entregas de corpo de alma e existência. É exatamente nesta caminhada que muitos confundem o amor que deveria ser construído com o respeito e a liberdade do outro com um sentimento que atende por nome de posse. A posse nos leva a agirmos como dono da vida do outro, esta ação pode ser prazerosa para o possuidor/opressor, mas pode e vai ser fatal num relacionamento.
Alguém já disse que a posse é o medo de perder o amor. Mas quero ir mais além, penso que o sentimento de posse é demoníaco e não está preocupado em perder o amor, mas sim o domínio que se tem sobre o outro.
Certa feita assistir um filme que tem por titulo “Encaixotando Helena”, de Jennifer Chambers. No filme, um cirurgião de renome, muito bem conceituado, forja um acidente para que a vítima, por quem era obcecado, seja levada para a casa dele. Com o tempo, ele vai mutilando-a cada vez que pensa na possibilidade de ela escapar. Esse filme chama a atenção para como o sentimento de posse é destrutivo e não condiz com o relacionamento amoroso. Na verdade o cirurgião nunca se importou com ela, mas com ele. A satisfação dos seus desejos era o único objetivo. A posse poderia ser atrelada a um autismo afetivo, em que não há comunicação muito menos respeito com o outro. Não existe sequer o outro em si. Existe apenas enquanto ele traz algum ganho, quando não, dar-se um fim no possuído.
Se o controle sobre a vida do outro supera o seu bem-estar, é sinal de que há algo errado. O alerta está para quem impõe este domínio, mas também para quem se deixa levar pelas imposições feitas.
Você tem sido possuído por alguém?
Está possuindo alguém?
A posse descaracteriza a humanidade do ser, tanto do possuidor quanto do possuído. Na minha insignificante experiência, percebo que mais de 70% das relações estam acorrentadas no sentimento de posse. Isso se dá entre todos os níveis de relacionamentos, amoroso ou não.


Posse é a tentativa de assimilar o outro, impedir que ele seja ele mesmo. É fazer do outro aquilo que o possuidor quer. O possuído encarna até mesmo o rosto do possuidor.
E este rosto é muito parecido com a morte.
No fim ninguém é de ninguém...





Ildeilson Santos

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Deus nos livre de um Brasil evangélico



Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.
Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.
Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).
Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.
Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?
Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?
Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.
Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.
Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?
Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.
Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.
Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.
Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.
Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.
O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.
Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.
Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.


Pastor Ricardo Gondim
Texto extraído do site: http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.painel.asp?tp=73


Soli Deo Gloria
7-02-11
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